Nesse artigo eu quero explicar a Portaria 422 de 2019 no contexto da execução fiscal e as mudanças significativas que ocorreram.
O contexto da Portaria PGFN 422 na execução fiscal
A portaria nº 422 publicada em 6 de maio de 2019, ao modificar a redação da Portaria 396 de 2016, alterou a forma de atuação da Procuradoria da Fazenda Nacional na cobrança dos créditos tributários em execução fiscal.
Em aulas anteriores, eu abordei a portaria PGFN nº 396, de 2016, que criou o Regime Diferenciado de Cobrança de Créditos – o RDCC.
SAIBA + EXECUÇÃO FISCAL, ARQUIVAMENTO DO ART. 40 E A PORTARIA DA PGFN 396 – PARTE 1
SAIBA + EXECUÇÃO FISCAL, ARQUIVAMENTO DO ART. 40 E A PORTARIA DA PGFN 396 – PARTE 2
O procedimento do art. 40 da LEF na execução fiscal
Você sabe que a execução fiscal é um procedimento especial de cobrança de créditos públicos inscritos em dívida ativa.
Em um determinado momento do curso processual, ocorrem situações que paralisam a demanda e que obrigam o arquivamento sem baixa na distribuição.
Ou seja, não há extinção da execução, mas, sim, o início do prazo para que a Procuradoria realize diligências administrativas, com o objetivo de localizar o devedor e seus bens.
Pelo art. 40 da LEF, então, se o devedor não for localizado e nem os seus bens, o processo de execução fiscal ficará suspenso por 1 ano.
Após o decurso desse prazo, se iniciará o prazo de prescrição intercorrente do crédito tributário.
Essa é a espécie de prescrição que se dá no curso do processo. Diferente da prescrição ordinária, que ocorre quando a Fazenda demora para ajuizar a demanda.
Nesse tempo de suspensão e arquivamento, a Portaria 396 determinou o arquivamento de várias execuções fiscais.
Em regra, todos os devedores com processos de execução fiscal de até 1 milhão de reais deveriam ser incluídos no Regime Diferenciado de Cobrança de Créditos – o RDCC.
As execuções fiscais deveriam atender alguns pressupostos que eu expliquei na aula sobre a Portaria 396.
Assim, ao ser incluído no RDCC, o devedor seria submetido a algumas medidas administrativas e extrajudiciais. Por exemplo, como o Procedimento Especial de Diligenciamento Patrimonial e o protesto extrajudicial da CDA.
Não houve renúncia fiscal em execução fiscal
Não houve renúncia fiscal, portanto, como alguns sustentaram quando veio a portaria. Teve quem dissesse que haveria improbidade administrativa e violação da lei de responsabilidade fiscal. Mas não foi isso que ocorreu.
O que houve foi uma mudança de estratégia da PFN, para concentrar esforços na cobrança dos créditos tributários em face de devedores relevantes e com grau de recuperabilidade do crédito satisfatório.
As execuções fiscais, pois, são responsáveis por grande parte da taxa de congestionamento do Judiciário.
Muitas execuções fiscais só servem para compor estatística, porque, por várias razões, a possibilidade de recuperar o crédito tributário é remota.
Havia uma estatística que dizia que de cada 100 execuções fiscais 91 não chegavam ao final. E estudos que revelavam que apenas 4% das execuções fiscais eram responsáveis por 81% do valor total ajuizado.
Ou seja, 4% das execuções concentram a maior parte dos débitos não quitados. Nesse 4%, então, é que os Procuradores deveriam se concentrar.
As demais execuções fiscais seriam arquivadas e o devedor correspondente cadastrado no RDCC.
A utilização do tempo dos Procuradores era ineficiente, portanto. Muitas diligências administrativas em processos de execuções fiscais eram inúteis, pois os devedores e bens só existiam no papel.
Não havia substrato no mundo real. Essa ineficiência estava ajudando os mal pagadores de tributos, que conseguiam postergar o pagamento, em virtude da demora na cobrança.
Por isso houve uma mudança de estratégia.
Princípio da Eficiência
Essa mudança de estratégia da PFN tem fundamento no princípio constitucional da eficiência, previsto no art. 37 da CF.
Em que pese administrativistas criticarem o princípio, como Celso Antonio Bandeira de Mello que vê a eficiência como um “simples adorno agregado”, eu acredito que seu conteúdo possa ganhar luzes.
E, nesse ponto, eu prefiro acompanhar Alexandre dos Santos Aragão, professor de Direito Administrativo da UERJ, que vê a eficiência como
“um melhor exercício das missões de interesse coletivo
que incubem ao Estado”.
Obra citada (Amazon)
Curso de Direito Administrativo – Alexandre Santos do Aragão
Então, o que a eficiência significa?
Ela significa que a Administração deve obter os melhores resultados com o menor ônus possível para todos, na realização de suas finalidades constitucionais.
A cobrança do crédito tributário, portanto, deve ser norteada pelo princípio da eficiência.
Assim, se existem meios que proporcionam melhores resultados com menores ônus, para todos os contribuintes, principalmente para aqueles que pagam seus impostos, esse meio deve ser buscado.
A principal mudança na cobrança do crédito tributário na execução fiscal
E qual a principal mudança na cobrança do crédito tributário, que a a Portaria 422 trouxe?
Na portaria 396 os critérios para o arquivamento eram objetivos, mais fáceis de serem visualizados. Tanto que os juízes federais costumavam arquivar os processos de ofício, sem que o Procurador pedisse.
Quando a Portaria 396 entrou em vigo, me recordo que os juizes federais arquivaram muitas execuções fiscais de ofício.
Na ocasião eu tomava ciência da decisão e iniciava os procedimentos administrativos para diligenciar os bens dos devedores, desde que os requisitos estivessem atendidos.
Era muita execução fiscal. Todas abaixo de 1 milhão de reais. Mas o valor não era o único requisito.
Vou recapitular rapidamente quais eram os requisitos da Portaria 396, para o arquivamento da execução fiscal. Caso tenha alguma dúvida, assista a aula correspondente aqui nesse link.
Requisitos da Portaria 396
A Portaria 396 estabelecia 6 requisitos objetivos:
- Execuções fiscais com débitos de até 1 milhão de reais que não tivessem garantia útil;
- Execução fiscal sem suspensão da exigibilidade do crédito;
- Ausência de alguma medida judicial proposta pelo devedor com o objetivo de impedir a cobrança;
- Não constar do polo passivo pessoas jurídicas de direito público;
- Não podia ser execução fiscal de Dívida Ativa do FGTS e, por fim,
- Não podia ser execução fiscal com informações de falência ou recuperação judicial.
A Portaria 422, contudo, alterou a Portaria 396. Por exemplo, a portaria 396 proibia a inclusão de FGTS no regime diferenciado.
Quando a Portaria 396 criou o RDCC alguns juízes federais arquivaram execuções ficais de FGTS, sem ouvir a Fazenda Nacional.
Nesses casos, o Procurador alertava o juiz que não havia fundamento para o arquivamento e a que execução fiscal deveria prosseguir. Na maioria dos casos o valor do débito era inferior a 1 milhão de reais.
Mas a Portaria 422 incluiu no RDCC os débitos de FGTS, que não são débitos tributários, porém, por força de lei, são cobrados pela Procuradoria.
A alteração relevante da Portaria 422 na execução fiscal
O relevante, entretanto, é a alteração do art. 20 que a Portaria 422 trouxe. Agora, o critério de execuções fiscais abaixo de 1 milhão não existe mais.
O critério agora é execuções fiscais cujos débitos são irrecuperáveis ou de baixa perspectiva de recuperação e não constem garantias úteis na execução fiscal.
A lei se valeu de um conceito jurídico indeterminado, que demanda uma densificação normativa para que se entenda o real alcance.
Menos de 1 milhão de reais é fácil de compreender. Mas os conceitos de débitos irrecuperáveis ou de baixa perspectiva de recuperação necessitam de maior esforço hermenêutico.
Débito irrecuperável ou de baixa perspectiva de recuperação na execução fiscal
São dois critérios que não são tão fáceis de o Judiciário verificar para decidir de ofício pelo arquivamento.
Quem decide, portanto, se o débito é “irrecuperável” ou de “baixa perspectiva de recuperação” é a Procuradoria da Fazenda Nacional.
Isso não impede que o Juiz Federal utilize o art. 40 da LEF direto. Não impede que o juiz, ao constatar que a PFN não localizou o executado ou seus bens, ele decida arquivar a execução fiscal.
Mas agora, com a Portaria 422, o juiz não pode mais usar a Portaria 396 como fundamento para arquivar.
Não pode afirmar que o débito é irrecuperável ou de baixa perspectiva de recuperação e determinar o arquivamento de ofício.
Não pode mais arquivar todas as execuções fiscais abaixo de 1 milhão, sem ouvir a Fazenda Nacional.
A Portaria 422, ao alterar a Portaria 396, modifica, então o critério, para o arquivamento. Os créditos devem ser irrecuperáveis ou de “baixa perspectiva de recuperação”.
Duas exceções ao arquivamento pela Portaria 422 na execução fiscal
Existem 2 exceções ao critério de irrecuperáveis ou baixa perspectiva de recuperação.
Quando a execução for proposta contra pessoa jurídica de direito público ou quando constar informação de falência ou recuperação judicial.
Nesses casos o Procurador não pode arquivar com base na Portaria 422.
No primeiro caso, a cobrança de débitos das pessoas jurídicas de direito público segue outro rito e o sistema de pagamento é via precatórios.
Na segunda hipótese – na falência e recuperação judicial – o devedor não sumiu e o Juízo Universal das Varas Empresariais da Justiça Estadual reunirá seus bens.
A classificação por rating na execução fiscal
Mas como saber quais são os créditos que a Portaria 422 recomenda o arquivamento imediato, para observarmos o princípio da eficiência?
Quais são os créditos irrecuperáveis ou com “baixa perspectiva de recuperação” que a Portaria quer que arquivemos?
Nessa caso é preciso observar uma outra Portaria. A Portaria do antigo Ministério da Fazenda nº 293, de 2017.
Essa Portaria 293 traz os critérios para classificar os créditos em dívida ativa da União com base no grau de recuperabilidade.
A Portaria 293 atribui nota ao devedor ou ao grupo de devedores, denominada de rating.
Então, com base no rating (nessa nota, nessa classificação) do devedor a Procuradoria vai arquivar as execuções fiscais e incluir os débitos em regime diferenciado de cobrança.
A Portaria 293 atribui letras aos créditos e devedores, a depender do grau de recuperabilidade do crédito.
- A letra A, ou seja, rating A sãos os créditos com alta perspectiva de recuperação.
- O rating B são os créditos com média perspectiva de recuperação.
- O rating C se refere aos créditos com baixa perspectiva de recuperação
- O rating D são os créditos considerados irrecuperáveis.
Pela conjugação, então, das Portarias 422 de 2019 e Portaria 293 de 2017 os créditos com rating C e com rating D serão arquivados sem baixa na distribuição.
São os créditos com baixa perspectiva de recuperação e irrecuperáveis.
Essa portaria 293 também instituiu um Grupo dentro da Procuradoria que é responsável por realizar periodicamente essa classificação.
Uma última informação: a Portaria 293 inclui no rating D algumas situações, sem levar em conta o grau de recuperabilidade.
É o caso, por exemplo, de empresas com CNPJ baixado por variados motivos.
Conclusão
Em síntese, a Portaria 422 de 2019, que alterou a Portaria 396, com fundamento no princípio da eficiência, trouxe uma nova dinâmica para a atuação da Procuradoria nas execuções fiscais federais.
Agora, o Procurador deve observar a classificação do crédito. Se for rating C e D ele deve requerer a suspensão da execução fiscal nos termos do art. 40 da LEF.
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