Nesse artigo eu vou explicar a MP 881/2019 e seus reflexos na execução fiscal. Essa MP instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.
A Declaração de Direitos de Liberdade Econômica e a MP 881
A MP 881 é polêmica já no seu preâmbulo ao pretender instituir uma Declaração de Direitos.
Isso porque uma declaração de direitos é um instrumento político que simboliza um momento de união em torno de um objetivo comum. Em torno um projeto de futuro.
Exemplos disso são a declaração Universal dos Direitos do Homem, a Declaração de 1948 sobre direitos civis e políticos e a declaração de direitos econômicos, sociais e culturais.
A ideia gira em torno de um consenso sobre uma pauta comum. Por essa razão, a medida provisória não seria o instrumento adequado para veicular esse tipo de declaração.
Ainda mais em um ambiente político plural como o nosso. Em que a Constituição tem como objetivo fundamental, também, a igualdade, a solidariedade e a justiça.
O ideal é que esse tema viesse por meio de proposta de lei. Assim, o Congresso Nacional poderia deliberar sobre a questão. Já que uma declaração de direitos não tem a urgência que conclama a utilização de medidas provisórias.
Mas não vamos nos aprofundar nesse aspecto. É apenas uma reflexão inicial.
Uma estranha ressalva interpretativa da MP 881
A MP 881 inicia com uma estranha normatização.
No art. 1º § 2º ela afirma que “Ressalvado o disposto no inciso X do caput do art. 3º ( esse inciso é o que fala em direito a “arquivar qualquer documento por meio de microfilme ou por meio digital”), o disposto no art. 1º ao art. 4º não se aplica ao direito tributário e ao direito financeiro”.
O art. 1º ao art. 4º são os dispositivos que tratam da declaração de direitos.
A MP 881 nega, portanto, o seu próprio objetivo primordial de instituir uma declaração de direitos de liberdade econômica ao âmbito tributário e financeiro.
Não é muito coerente realçar a liberdade econômica e ressalvá-la do âmbito tributário. Âmbito, pois, que historicamente via o tributo como uma ameaça à liberdade.
Embora teorias mais modernas já afastem essa concepção de tributo como destruidor da liberdade do âmbito do direito.
Mas o fato é que a declaração de liberdade econômica não alcançaria em regra esse âmbito tributário e financeiro. Em que pese as diversas normas que influenciam a cobrança do crédito tributário.
Aprovação tácita e o âmbito tributário
Essa ressalva geral, de não aplicação ao âmbito tributário, torna desnecessário o § 7º do art. 3º, que trata da possibilidade de atendimento tácito das demandas do cidadão não apreciadas em determinado prazo.
Se o contribuinte faz uma solicitação à Administração Pública de liberação de atividade econômica, mas não é atendido no prazo, a MP 881 diz que haverá uma aprovação tácita.
Essa aprovação tácita não se aplica a quaisquer questões tributárias.
Vamos supor que o contribuinte faz uma solicitação de revisão do lançamento tributário e anexa documentos no procedimento administrativo. Nesse caso, pelos termos da MP 881 não haverá aprovação tácita pelo decurso do prazo.
Não haverá quitação pelo simples fato de a Administração Tributária não ter se manifestado no prazo. A MP 881 excluiu, então, a aprovação tácita, das questões tributárias.
Desconsideração da personalidade jurídica na MP 881
A MP 881 alterou o art. 50 do Código Civil , que trata da desconsideração da personalidade jurídica.
Mas essa questão não vai ter impacto em execução fiscal, porque os redirecionamentos da demanda na cobrança do crédito tributário são geralmente feitos com base no art. 135, III do CTN.
SAIBA + Aula sobre redirecionamento da demanda Parte 1 (Youtube)
Especialmente quando há dissolução irregular da pessoa jurídica. Qual seria a hipótese mais comum? O oficial de justiça vai citar ou penhorar bens da empresa. Ao chegar ao local descobre que ela não está mais em seu domicílio fiscal.
SAIBA + Aula sobre o redirecionamento da demanda Parte 2 (Youtube)
Ao se manifestar na execução fiscal, o Procurador da Fazenda Nacional pede o redirecionamento para os administradores da empresa com base no CTN.
Talvez tenhamos que refletir um pouco mais nas situações em que se pretende impor responsabilidade a grupos econômicos.
Isso porque a MP 881 pretendeu regular essa hipótese no art. 50 do CC, trazendo requisitos para a caracterização de abuso pelos grupos. Esse, contudo, é assunto para uma próxima oportunidade.
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Comitê para a edição de súmulas tributárias
A MP 881 instituiu um Comitê para a edição de súmulas da administração tributária federal. Ele será composto por integrantes do CARF, da Receita Federal e da Procuradoria da Fazenda Nacional.
Esse comitê, em uma análise inicial esvazia um pouco o poder normativo das súmulas do CARF. Isso porque as súmulas do novo Comitê deverão ser observadas por atos administrativos, normativos e decisórios.
As decisões do CARF, portanto, deverão observar as súmulas editadas por esse comitê heterogêneo.
A criação do Comitê fortalece a Procuradoria da Fazenda Nacional e a Receita Federal. Agora esses órgãos participam do comitê deliberativo para a edição da súmula.
Antes, eles tinham a iniciativa de propor ao CARF a edição da súmula, que seriam deliberadas pelo Conselho Superior de Recursos Fiscais, órgão do próprio CARF.
Nesse contexto do CARF as súmulas são aprovadas por 3/5 (três quintos) da totalidade dos conselheiros.
Isso é importante por que a Receita Federal é o órgão que faz as autuações. É ela quem está próxima do fato gerador e tem aquele primeiro contato com o contribuinte.
Já a Procuradoria é quem atua judicialmente. É quem tem contato com o contribuinte não só em contencioso administrativo, mas também no judicial.
Todos os âmbitos estão representados, portanto, na edição das súmulas tributárias.
- o âmbito da autuação, com a Receita Federal do Brasil
- o âmbito de julgamento, com o CARF.
- e o âmbito de contencioso judicial, com a Procuradoria da Fazenda Nacional.
Isso pode resultar em súmulas mais eficazes do ponto de vista da segurança jurídica. Além de acarretar a dispensa de litigar pelos Procuradores da Fazenda Nacional, em virtude das súmulas aprovadas.
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Dispensa de litigar aos Procuradores da Fazenda Nacional
A MP permite, ainda, que o Procurador-Geral da Fazenda Nacional dispense os procuradores de litigar, não só judicialmente, como administrativamente.
Essa situação vai ocorrer quando houver parecer aprovado pelo Procurador Geral, no mesmo sentido em que pleiteou o contribuinte.
Antes as dispensas de contestar e recorrer eram feitas com base na jurisprudência pacífica dos tribunais superiores.
Em 2010, com a Portaria PGFN 294 e em 2016, com a Portaria PGFN 502, havia uma lista de matérias em que os procuradores não necessitavam recorrer.
A lista, porém, era baseada em interpretação pacífica do STJ e STF desfavoráveis à Fazenda Nacional.
Mas a MP 881 não diz que o parecer do Procurador Geral da Fazenda Nacional necessita se apoiar em jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores.
Estabelece apenas que se o parecer concluir no mesmo sentido do pleito do contribuinte, o Procurador da Fazenda não precisa continuar litigando.
A MP 881 ressalva, porém, que o parecer que examina a juridicidade de proposições normativas não se enquadra na situação.
Ou seja, a MP quis ressalvar as situações em que a PGFN atua como órgão de consultoria legislativa. Quando ela é convocada, pois, para dar algum parecer sobre alguma proposta legislativa tributária.
Não é essa a situação de dispensa que a MP quis se referir. Mas, sim, às inerentes ao contencioso judicial e administrativo.
Por exemplo, vamos supor que surgiu um debate sobre a interpretação de um ato normativo tributário, que ainda não foi objeto de decisão dos tribunais superiores.
Se o parecer concluir que o contribuinte tem razão naquele pleito, não haverá necessidade de esperar o julgamento definitivo sobre a constitucionalidade do ato. A orientação será estendida a casos semelhantes.
É uma mudança de cultura, em que se atribui maior responsabilidade ao órgão jurídico responsável pelos litígios tributários em âmbito federal.
Essa situação vai recomendar muita cautela e maior debate sobre os atos normativos que são contestados pelos contribuintes e que possam ser objetos de parecer.
Mas o positivo dessa situação é não precisarmos mais esperar anos e anos até que o STF decida uma situação que envolve questão tributária.88
Os mutirões tributários
A MP 881 institucionaliza os mutirões tributários. Ou seja, os acordos entre PGFN e o Judiciário para analisar o enquadramento processual das dispensas de contestar e recorrer.
Quando eu atuava, como coordenador de grupo na Divisão de Assuntos Fiscais em São Paulo, era muito comum ir ao Judiciário semanalmente para tomar ciência de vários processos em que havia acordo de não se fazer remessa à PFN. Isso evitava o trâmite dos processos e acelerava a resolução do litígio.
Com a MP 881, o que antes era um acordo entre o juiz e uma divisão da PFN, agora está institucionalizado. Questões em que o STF resolve definitivamente a causa podem ser objeto de mutirão, para evitar que cada Procurador interprete a decisão de modo diverso.
Como a maioria dos processos são eletrônicos, essa situação é ainda mais fácil de ser viabilizada.
Estamos caminhando para uma cultura de buscar menos litígios não só em âmbito judicial, mas, também em âmbito administrativo.
A MP 881 NORMATIZA
- os comitês para a edição de súmula vinculante tributária
- as dispensas de litigar em âmbito administrativo e judicial
- os mutirões decorrentes de acordo entre o Judiciário e a Procuradoria.
Sempre com o objetivo de alcançarmos uma justiça fiscal mais célere e diminuir a taxa de congestionamento judicial.
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