O direito tributário é um ramo que ainda carece de maior transparência não só nas políticas tributárias que são desenvolvidas, como também nas próprias decisões que são tomadas que afetam milhares de cidadãos. Seja em âmbito administrativo, seja em âmbito judicial.
No passado, era comum as leis que aumentavam impostos no apagar das luzes. Terminavam as festas de fim de ano e lá vinha um novo imposto para acabar com as comemorações. A participação da sociedade na política tributária era relegada a uns poucos, que possuíam acesso aos altos escalões de determinado governo. Menos nos períodos de eleição. Nessa época, o pacote de bondades beneficiava os eleitores, mas, não os cidadãos. Isso não é democracia.
A democracia, é preciso realçar, não se justifica pelo valor de seus resultados. Se assim fosse, resultados mais eficientes poderiam ser alcançados a despeito de estarmos em um ambiente democrático.[i] Embora alguém possa ser beneficiado por uma isenção tributária ou outro benefício fiscal qualquer, isso não significa que teria havido necessariamente o respeito à democracia. É possível, contudo, um modelo de democracia diferente, que não afaste o cidadão das decisões mais importantes em âmbito tributário. Um modelo que tome por pressuposto a democracia deliberativa.
Para que haja uma justificativa da democracia – que não separe a política da moral – é preciso uma concepção deliberativa baseada em enfoques dialógicos, para conter interesses egoístas.[ii] Uma concepção de democracia capaz de influenciar as preferências das pessoas e transformá-las por meio do diálogo.
O modelo deliberativo de democracia visa ser um modelo intermediário entre os modelos substantivos e os modelos procedimentais. O modelo substantivo, que tem em John Rawls seu maior expoente, em que pese tenha por base um modelo de democracia que mantém aberto os resultados da deliberação, para o caso de um resultado inaceitável, se baseia em uma concepção de justiça monológica,[iii] onde os princípios para o debate são refletidos individualmente.
O procedimentalismo, por sua vez, que tem em Jürgen Habermas seu maior defensor, sofre a crítica de impossibilitar que certos postulados universais, que estariam no âmago da coletividade, antes mesmo de qualquer debate, possam ingressar na deliberação.
Em 2013, escrevi sobre a necessidade de participação do cidadão na formação da tributação.[iv] Não se tratava, advirta-se, de uma perspectiva individualista, em torno do arcaico lançamento tributário, visto como um ato impositivo de cobrança da Administração Tributária. Um ato a ser temido pelos contribuintes em débito com a Fazenda Pública.
A perspectiva era outra. Tomava por base a democracia deliberativa para ver naquele e em outros institutos uma oportunidade para Administração Tributária e contribuinte dialogarem em torno da tributação, na ausência de espaços de consenso. O cidadão, de modo geral, não tem um espaço em que possa dialogar com a Administração Tributária em torno da tributação. Havíamos proposto, em âmbito administrativo, a utilização efetiva das audiências públicas em matéria tributária, tal qual já era feito em outras áreas (ambiental, por exemplo).
Recentemente, contudo, foi editado o Decreto 8.243 de 23 de maio de 2014 onde o Poder Executivo pretende uma “atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”. Significa que haveria a possibilidade de se conferir oportunidade ao diálogo entre cidadão e Administração, inclusive no âmbito tributário (Por que não?).
O art. 16 do Decreto, por exemplo, prevê diretrizes mínimas que devam ser observadas diante da realização de audiências públicas. Ali se vê a necessidade “divulgação ampla e prévia do documento convocatório”, “livre acesso aos sujeitos afetados e interessados”, “sistematização das contribuições recebidas”, “publicidade, com ampla divulgação de seus resultados, e a disponibilização do conteúdo dos debates” e “compromisso de resposta às propostas recebidas”.
Escrevi, em “Estado Fiscal e a Litigiosidade Tributária”, que a realidade atual da tributação gira em torno do conflito. O direito tributário é todo construído tendo como premissa o conflito. É preciso, então, que isso se modifique, pois a massificação das demandas sociais já não comporta tanto conflito em perspectiva individual. As audiências públicas em matéria tributária seria uma boa forma de ouvir o cidadão, antes de uma medida que afetará a todos em escala nacional, regional ou local.
A despeito de, eventualmente, ser revogado o Decreto,[v] o fato de o Estado buscar a criação de espaços dentro da própria Administração para que o cidadão se manifeste já, sinaliza com uma medida que deve se tomar como regra em governos democráticos. Esperamos, portanto, que as coisas caminhem para o pressuposto do diálogo, não só normativamente, mas como concretização real dessa postura. Já que, infelizmente, como se tem observado na realidade atual, a premissa do conflito é, ainda, a que impera em certos setores do Poder Executivo.
[i] NINO, C. S.. La Constitucion de la Democracia Deliberativa. Primeira reimpressão. Barcelona, Espanha: Gedisa, 2003, p. 101.
[ii] NINO, C. S. Op. cit., p. 142.
[iii] NETO, C. S. P. Teoria Constitucional e Democracia Deliberativa: um estudo sobre o papel do direito na garantia das condições para a cooperação na deliberação democrática. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 157-8.
[iv] SANTIAGO, J. C. A Participação do Cidadão na Formação da Tributação Brasileira e a Busca por Espaços de Consenso. 2013. Dissertação (Mestrado em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
[v] Para uma crítica em torno do debate politico cf. RIBEIRO, R. L. Execução da participação social deve ser acompanhada. CONJUR, 10 jun. 2014. Disponível em < http://www.conjur.com.br/2014-jun-10/ricardo-lodi-execucao-participacao-social-acompanhada>. Acesso em 14 jul. 2014.